Lendo o livro da Martha Medeiros (Coisas da Vida) que eu queria ha séculos e ganhei de Natal, me deparei com essa crônica e que me fez refletir muito. Então resolvi registrar aqui. Outras cronicas do livro também são muito boas, principalmente meu primeiro Quarto, o livro sem dúvida e muito bom. Quando terminar de ler vou fazer resenha.
LÁPIS, CADERNO E BORRACHA
Martha Medeiros
Aconteceu em dezembro passado: "O que você pediu para o Papai
Noel?", perguntou o repórter a um menino que vivia num barraco e
que usava um calçãozinho três números menor do que o seu corpo
exigia. Suspirei fundo. Que repórter é esse que coloca uma câmera
de televisão na frente de uma criança que provavelmente nunca
teve um sonho atendido? "Material escolar", respondeu o menino.
O menino queria ganhar material escolar de Natal. Iria pra escola
em março, queria lápis, borracha e caderno, que o pai não podia
comprar.
Corta para o repórter entrevistando o pai. Ficassem tranqüilos os
telespectadores, o menino teria seu lápis, borracha e caderno na
noite de Natal, seria seu primeiro presente em sete anos de vida, seu
primeiro sonho atendido. Meu coração ficou do tamanho de meio
amendoim.
Na hora não pensei que maravilhoso era ver um menino humilde ir
para a escola. Pois a notícia era esta, um menino, ao vivo, em rede
nacional, escapando da marginalidade, com chance de estudar e,
caso os deuses seguissem abençoando sua família, assim seria nos
próximos anos, e um futuro decente o aguardaria no final do arco-
íris.
Bela história, e meu coração nem assim voltava ao tamanho normal,
meus batimentos eu nem sentia. Material escolar de presente de
Natal, dois meses antes do início das aulas, é um bofetão cuja dor
não passa rapidinho, trocando de canal.
Semana passada entrei numa livraria com uma lista na mão e enchi
o cestinho com canetas hidrocor, massa de modelar, papel celofane,
tesoura, pincel, glitter, essas coisas que escolas exigem nos
primeiros anos do ensino fundamental e que mais parecem
brinquedos, e penso que o brinquedo que aquele garoto ganhou de
Natal foi lápis, borracha e caderno, e não caminhãozinho, bola,
skate. Só lápis, borracha e caderno. Que qualquer pai deveria poder
comprar folgadamente com seu salário mensal, dias antes do início
das aulas, como fazemos com nossos filhos, os maiores ainda
adquirindo livros, arquivos, pastas e mochilas, tudo entregue a eles
de mão beijada porque é nossa obrigação. Não é Natal.
Mas é Natal pra quem finalmente vai poder estudar, pra quem
conseguiu ter seu lápis, sua borracha e seu caderno, pra quem
precisa trocar o lúdico pelo útil, pra quem precisa de datas especiais
para conquistar o que deveria ser um direito.
Saí da livraria com duas sacolas cheias de cartolinas, giz de cera,
réguas e estojos coloridos. Estamos no início de ano letivo, apenas
isso. Mas para diversos meninos e meninas -haja coração -estudar é
Natal.
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